sábado, 17 de dezembro de 2011

Entrevista a Ana Saraiva, psicologa desportiva.



Porque acha que ainda agora se está a dar os primeiros passos na psicologia desportiva?
Não se estão a dar os primeiros passos na Psicologia Desportiva. Acontece sim que agora talvez se oiça um pouco mais. Em Portugal é uma realidade presente no futebol já há uns anos. Neste momento, felizmente, abrange já bastantes desportos como hóquei, natação, triatlo, atletismo entre outros. Lá fora a realidade é outra, há psicólogos desportivos a trabalharem com um gabinete aberto em que atletas de qualquer modalidade podem ir. Em Espanha por exemplo uma equipa de ciclismo já teve um psicólogo do desporto a trabalhar. Creio que é uma realidade que (quase) todos os intervenientes no desporto consideram como tendo papel fundamental. Hoje em dia é verdade que se houve falar mais nesta área, mas vai continuar ainda mais uns anos a ser considerado algo de segundo plano dada a conjuntura económica que estamos a passar no país, o que faz com que as equipas trabalhem de facto com o que consideram essencial, viveram tantos anos sem um psicólogo então não sentem a falta desta vertente. Quem trabalha com um psicólogo percebe que o trabalho desenvolvido é importante, e quando prescinde dele sente a sua falta, quem nunca trabalhou obviamente não sente e então só nos procura em caso de necessidade.

Sente que há algum estigma associado ao seu trabalho?
Ainda existe, cada vez menos é verdade, mas existe. Os atletas no geral associam a necessidade de ter um psicólogo desportivo a problema “mentais”, o que não corresponde de todo à realidade. Ouvi expressões como “não estou maluco”, “eu não tenho nenhum problema”… O trabalho que se faz (no desporto) está relacionado com a otimização do rendimento, fazer com que o atleta renda o máximo possível. Mas logicamente muitos dos intervenientes no desporto consideram o nosso trabalho fútil e desnecessário. Mas através da minha experiência profissional aprendi que cabe a mim explicar a minha função e “provar” que é de facto importante, que o psicológico tem um peso importante no rendimento. Creio que é esta a fase da psicologia do desporto, temos de criar a nossa necessidade. E a melhor forma de acabar com estigmas é a ideia que quem trabalha connosco fica e a publicidade que faz depois do nosso trabalho.

Como é que é feito o trabalho psicológico numa equipa de alta competição?
A psicologia do desporto é muito vasta. O trabalho pode ser feito unicamente com o treinador/director desportivo, ajudando-o a ser melhor líder, a trabalhar a sua comunicação, a saber trabalhar o grupo, etc. Podemos trabalhar também com a equipa fazendo otimização de rendimento como já referi anteriormente, trabalhando motivação, concentração, coesão de grupo, comunicação, relaxamento, paragem d pensamentos negativos, visualização mental entre outras coisas através de técnicas, pode ser feito no terreno e/ou em gabinete. Podemos trabalhar também individualmente, um ciclista pode achar que gostaria de melhorar alguns pontos e procura um psicólogo e faz se um trabalho isolado. Creio que seja importante referir que é um trabalho q tem total sigilo profissional em relação ao atleta com que trabalhamos.
Falando um pouco da minha ultima experiência, estive numa equipa de futebol profissional em que acompanhava de perto a equipa, todos os treinos, todos os jogos, em que trabalhei com os treinadores e com todos os jogadores em gabinete e em terreno e que foi um trabalho que correu bastante bem pois posso assegurar que todos os jogadores melhoraram o seu rendimento, uns mais que outros uma vez que é necessário trabalhar e quanto mais a serio se levar melhor corre. Não há milagres, costumo dar este exemplo um quando vamos ao medico ele passa a medicação a pessoa que curar se toma a medicação, neste caso é o mesmo, eu “receito o medicamento” e o atleta “toma” (pratica), depende da disponibilidade, é necessário treino mental, o mesmo se passa em relação ao treino físico, ele é estipulado e tem de ser feito para se melhorar. 




É possível evoluir psicologicamente?
Obviamente. E é esse o meu trabalho, ajudar o atleta a melhorar e assim evoluir. Inicialmente percebemos os pontos menos bons do atleta, ou através de uma entrevista e/ou da aplicação de um teste geral com todos os parâmetros psicológicos possíveis de serem trabalhados e depois há que trabalhar para os melhorar.

Acha que isso fará a diferença no resultado final?
Toda. Nada substitui o trabalho físico. Mas um atleta pode estar lindamente fisicamente mas de a “cabeça” não está focada no que está a fazer, se não se consegue concentrar, se por uma razão qualquer não está motivado, por exemplo, o atleta não vai render o que poderia, rende mas poderia render muito mais. O contrário logicamente que também se aplica, um atleta pode ser o melhor psicologicamente mas se não treinar de nada lhe serve. Creio que o psicológico é sem duvida o que faz a diferença entre os atletas, porque dentro da alta competição todos tem bons planos de treino adaptados, todos tem bom material para treinar, todos tem uma serie de coisas comuns e que lhes estão perfeitamente disponíveis, então neste caso o que vai fazer com que se seja um pouco melhor que alguém que tem todas as mesmas condições físicas será o factor psicológico.

Desde que escalão pensa que se deve aplicar a psicologia?
Em qualquer escalão pode ser aplicada. Desde o desporto de formação até ao desporto profissional. È uma área vasta, podemos trabalhar em desporto escolar, desporto de iniciação, desporto de recreação e lazer, desporto profissional, desporto veterano em qualquer área. Logicamente que com intervenções diferentes. Até aqui tenho falado das intervenções com profissionais, porque considerei mais pertinente, mas no desporto de iniciação por exemplo podemos trabalhar questões de desenvolvimento motor e social das crianças. O trabalho que desenvolvo actualmente é com crianças/adolescentes e passa pela reinserção social através do desporto, são crianças problemáticas, de bairros sociais que necessitam de ajuda para poderem crescer saudáveis e inserirem se numa sociedade com regras, regras essas que elas não tem em casa dadas as suas condições económicas e familiares.

Pensa que num futuro próximo a sua profissão será mais requisitada?
De certeza. È necessário que a conjuntura económica do país mude, porque se não fosse essa questão creio que estariam mais equipas a trabalhar com psicólogos desportivos. Porque sou abordada frequentemente com questões como “queria melhorar isto é possível?”, mas depois o serviço tem de ser pago do bolso do próprio atleta neste caso e muitas vezes ele já não está a ganhar tanto como gostaria e então não investe. Penso que tal como há uns anos na equipa não era necessário médico fixo hoje em dia não se prescinde disso, tal como já é prática normal um fisioterapeuta, massagista, nutricionista. Creio que seja também importante referir que psicólogos desportivos de base, não me refiro aos que provem da psicologia clínica e tiram uma especialização na área, mas sim aos quem tem toda a licenciatura em psicologia desportiva apenas se formam á cerca de 8, 9 anos. É uma área com muito caminho por explorar ainda.

Ana à esquerda com Sérgio Sousa e Carlos Pereira à sua direita.

Sr. Carlos Pereira sei que conhece a Ana Saraiva, qual a sua opinião à cerca dela?
Tenho uma boa impressão da Ana Saraiva, parece me bastante empenhada e profissional, acompanhou a ultima etapa da volta a Portugal deste ano no meu carro de equipa.

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